Corrupção impede o desenvolvimento?
Sim, na medida em que a corrupção tende a desviar recursos da sua aplicação mais produtiva. Experiências históricas, todavia, demonstram que a resposta a essa indagação pode não ser categórica. Fábio Gianbiagi no seu livro Brasil - As Raízes do Atraso-Paternalismo versus Produtividade: As dez vacas sagradas que acorrentam o país, lista dez “ancoras” que atrasam o crescimento do Brasil. São elas: [1]o salário mínimo que não é mínimo, [2] a Previdência Social imprevidente, [3] o assistencialismo exacerbado [4] o direito dos incluídos, [5] a vinculação preguiçosa, [6] a TJLP esquizofrênica, [7] as transferências temporárias infinitas, [8] a taxação do capital, [9] o protecionismo e [10] o viés anticapitalista. A corrupção,como se pode notar, não está apontada pelo economista como uma dessas “ancoras”
POLÍTICA ECONÔMICA
Eduardo Paiva
2/19/202511 min read


A palavra corrupção comporta um grande número de acepções. Segundo o Novo Dicionário Aurélio da língua portuguesa, corrupção seria o ato ou efeito de corromper; decomposição, putrefação, devassidão, depravação, perversão, suborno, peita. Embora comporte todos esses sentidos, a palavra é hoje mais comumente utilizada no sentido de suborno. Ainda que esse seja esse o sentido hoje mais comumente aplicado à palavra, necessário se faz um definiçaõ mais precisa desse termo de modo a se evitar ambiguidades. Nesse contexto fica entendido como corrupção o uso de poderes públicos para auferir benefícios privados.
Definido desse modo, o funcionário de uma firma privada que realizasse uma compra desnecessária, como o único objetivo de receber do vendedor um benéfico para si, estaria praticando uma fraude e não um ato de corrupção porquanto não envolvesse poderes públicos. A corrupção, todavia, envolve, sempre, um agente público e uma apropriação privada.
A corrupção é quase tão antiga quanto à própria humanidade, como atesta a história da nossa civilização e, do mesmo modo que perpassa o tempo, também não parece poupar nenhum país. Ademais da sua idade pode-se também discernir que ela acontece em escala variada, o que remete a uma gradação na sua perversidade. E, a despeito de ser observada globalmente, a corrupção se manifesta com mais frequência em países ditos subdesenvolvidos ou em desenvolvimento que naqueles considerados desenvolvidos. A frequência com que ela [corrupção] ocorre nas nações subdesenvolvidas ou em desenvolvimento aponta para a existência de uma correlação [inversa] entre corrupção e renda. A existência dessa correlação suger que, quanto maior a renda menor seria, portanto, a sua incidência e vice versa. E é essa correlação que leva a que se associe o fenômeno da corrupção como sendo uma manifestação típica de nações menos desenvolvidas, embora, em maior ou menor extensão, ela ocorra em praticamente todos os quadrantes da terra independente do seu nível de renda.
A associação observada entre subdesenvolvimento e corrupção é, frequentemente e de modo errôneo, tomada com causalidade. Argui-se que o fenômeno da corrupção leva a uma ineficiente alocação dos limitados recursos desses países condenando-os, desse modo, a um círculo vicioso de pobreza. Essa impressão é reforçada quando a imprensa exibe, amiúde, casos de extrema corrupção onde ditadores acumulam fortunas amealhadas no meio da mais abjeta miséria da sua população. Quem não se lembra de Mobuto Sese Seko, ditador do Zaire, que saqueou o país durante anos transferindo uma incomensurável fortuna para sua conta pessoal na Suíça e em outros “paraísos fiscais”.
A correlação entre pobreza e corrupção, anotada em qualquer estudo empírico sobre o assunto, pode levar, e frequentemente leva, à conclusão apressada de que a sua eliminação seria condição necessário [e às vezes tomada como suficiente] para conduzir um país na senda do desenvolvimento e da justiça social. Alan Beattie, jornalista e economista britânico, no seu livro A Falsa Economia [ZAHAR 2010] dedica um capítulo inteiro à corrupção. O capítulo 8 do seu livro é, sugestivamente, intitulado Corrupção: Por que a Indonésia prosperou em um governo corrupto, enquanto a Tanzânia continuou pobre sob um governo honesto? Com se poderá notar mais adiante, talvez fosse mais apropriado fazer uma pequena mudança nesse título para: Corrupção: Por que a Indonésia prosperou com um governante corrupto, enquanto a Tanzânia continuou pobre sob um governante honesto, pois essa nação africana se viu, também, engolfada pela corrupção a despeito da honestidade do seu presidente.
Beattie traça as trajetórias distintas tomadas pela Indonésia e pela Tanzânia desde suas independências. Segundo o autor, a Indonésia sob o governo notoriamente corrupto de Suharto prosperou e atingiu [na data da publicação do livro] uma renda per capita de US$ 3,000 enquanto que, sob o governo honesto de Julius Nyerere, e nessa mesma data, a Tanzânia continuou miseravelmente pobre com renda de apenas US$ 1,000. Quando da sua morte Suharto sofreu o opróbrio público ao passo que os acólitos de Julius Nyerere [que era católico] pediram sua a sua canonização.
Suharto comandou um governo sanguinário e violento por meio daquilo que é conhecido como “capitalismo de compadre ou de amigos” - que de resto foi a política econômica dominante em outros países da Ásia hoje conhecidos como “tigres” - onde privilégios eram distribuídos entre os amigos. Nada muito diferente do que, em certa medida, se vê aqui pelo Brasil, como bem atesta, por exemplo, a história do Grupo X de Eike Baptista. No seu governo Suharto criou um partido que filiava e nomeava todos os funcionários do Estado. Ele praticamente entregou a administração da economia ao Exército da Indonésia que, sob seu controle, recebia grandes benéficos ao tempo em que funcionava como um sistema de informações permitindo ao presidente acompanhar tudo que se passava na economia, inclusive a corrupção. E essa não se fazia sem que fosse sob seu estrito consentimento.
Beattie relata no seu livro que “Em 1985, ele [Suharto] dissolveu toda a burocracia aduaneira por decreto em um momento em que a corrupção nas docas se tornou um problema sério, entregando então a operação a uma companhia estrangeira”. Coisa semelhante fez com o a agencia que detinha o monopólio governamental da importação de algodão. Suharto demitiu todos os seus altos funcionários e fechou a agência tão logo foi informado sobre os subornos excessivos que ali se cobravam. Com isso pode ter salvado a indústria têxtil da Indonésia que, de outro modo, teria sucumbido diante dos elevados preços da sua principal matéria-prima.
Suharto assumiu o governo da Indonésia por meio de um sangrento golpe de estado que massacrou milhares de supostos comunistas. Esse golpe foi uma reação à situação caótica que, sob o Governo Sukarno, a Indonésia havia mergulhado. Não poucos indonesianos saudaram a chegada de Suharto ao poder, pois isso teria trazido estabilidade ao país. No que pese ter conduzido o país com mão de ferro, Suharto não caiu na tentação - tão comum nas nações africanas que se tornaram independentes nas décadas de cinquenta e sessenta - de tentar fechar o país ao exterior nem tampouco estatizou a sua economia. Pelo contrario, criou regras para um orçamento equilibrado que, no dizer de Beattie, mesmo não sendo uma “regra de ferro” impediu que o país mergulhasse em projetos megalomaníacos e eliminou uma hiperinflação que degradava a sua moeda. Ademais, e isso foi de extrema importância para o crescimento do país, deu livre movimentação aos capitais, conseguindo, com essa política, atrair expressivo volume de investimentos externos. Na descrição de Beattie, a Indonésia sofria de uma forma eficiente de corrupção.
Enquanto a política econômica em países periféricos, nomeadamente os da América Latinas, se guiava pelo conceito de substituição de importações, que pressupunha elevada dose de produção em regime de autarquia, a Indonésia conectava sua economia aos mercados internacionais que, já naquela altura, se integravam de forma acelerada. O país sob Suharto também evitou a tentação do calote na dívida externa. Pagando em dia as suas obrigações, o Governo da Indonésia estabeleceu laços de confiança com a banca internacional. Isso lhe assegurava um fluxo perene de recursos financeiros capaz de manter a liquidez do país e garantir sua capacidade de importar, exatamente o contrário do que fez a América Latina que, desse modo, experimentou intensas, frequentes e prolongadas crises cambiais com conseqüências desastrosas para a sua economia.
A Tanzânia só tornou-se independente em 1964 sobre o comando de Julius Nyerere, que governou a país pelos vinte anos seguintes. Sobre ele Beattie escreve “Nyerere era tido por todos como um presidente decente, honesto e modesto, bem diferente de muitos tiranos corruptos e repressivos que governaram os países africanos em suas primeiras décadas de independência pós-colonial”. Mesmo assim viu-se seu governo terminar em meio à corrupção e o país mergulhado na pobreza.
Logo na sua independência, a Tanzânia tomou o caminho do socialismo, senda semelhante às adotadas por outras nações africanas e asiáticas que se libertavam das suas metrópoles guiadas por movimentos de cunho marxistas. Ainda que bem intencionado, Nyerere,segundo, Beattie, tentou construir uma economia autossuficiente, protegida por altas barreiras alfandegárias. A adoção dessa política alijou o país dos fluxos comerciais e financeiros internacionais levando-o à estagnação econômica. Com uma orientação claramente anticapitalista, baseou o crescimento da economia tanzaniana a partir da criação de um vasto setor estatal composto por uma miríade de empresas governamentais. O resultado foi à implantação da ineficiência e corrupção em vasta escala.
Nyerere tentou ainda, sob o argumento de ganhos de eficiência, coletivizar a agricultura tanzaniana, seguindo um modelo soviético ou chinês. Essa coletivização foi implementada por meio da transformação de milhões de pequenas propriedades rurais em grandes vilas coletivas a exemplo do que se fez na China ainda na década de cinquenta. Nessas vilas coletivas os agricultores eram orientados [na verdade obrigados] sobre o que plantar e como plantar. Recebiam, também, de uma entidade estatal, sementes e fertilizantes, mas deveriam, em contrapartida, vender toda a sua produção ao próprio governo pelos preços que esse estabelecia. O resultado não poderia ter sido pior. Ao invés de obter ganhos de eficiência a agricultura tanzaniana entrou em colapso na medida em que, para escapar ao controle de preços [sempre muito baixos], os agricultores desviavam para o mercado paralelo a produção que deveria ser vendida governo.
Ademais desses erros de partida, Nyerere - à diferença de Suharto que mantinha a Indonésia sob mão de ferro - não detinha controle sobre a burocracia estatal pois precisava comprar, de forma permanente, apoios para se manter no poder. Com essa pratica permitia que o estado fosse “balcanizado” por grupos interessados em perseguir os seus próprios objetivos. E, na ausência de uma coordenação central [que existia na Indonésia na figura do próprio Suharto] os grupos concorriam ferozmente para extrair o máximo [de suborno] da economia o que redundava na redução da riqueza [futura] a ser saqueada e aumentava, por conseguinte, o saque à riqueza presente. Não é de estranhar, portanto, que a Tanzânia estivesse em pior situação econômica vinte anos depois da sua independência.
A corrupção, na teoria econômica, pode ser explicada como um problema de agência. Esse tipo de problema surge da separação entre proprietários [owner], conhecido na literatura econômica pelo nome de principal, e administradores que são os seus agentes. Esses últimos devem agir em nome e no interesse do dono [principal]. Quando isso não acontece diz-se ter um problema agente – principal. A corrupção, em termos estritos, acontece quando o agente persegue os seus próprios interesses ao invés de trabalhar para atender aos interesses do principal que, nesse caso, pode ser o Governo. Minimizam-se esses problemas fiscalizando o agente [enforcment], entretanto,quando isso não pode ser feito de forma eficiente, como aconteceu na Tanzânia, estabelece-se um processo caótico onde cada agente tenta fazer seus interesses prevalecerem em detrimento do interesse do principal.
Existem formas e gradações diferentes de corrupção. E, na sua forma eficiente apontada por Beattie, ela não pode ser ,de modo exclusivo, responsabilizada pelo atraso de um país. Com efeito, esse “capitalismo de compadres ou de amigos” foi largamente adotado em não poucos países da Ásia com alguns resultados considerados favoráveis, caso da Coreia e Taiwan, e outros retumbantes fracassos como nas Filipinas. Na expressão de Beattie se a corrupção é estável ela, de fato, se torna um segundo nível de tributação elevando,é verdade, os chamados “custos de transação”, mas, ainda assim, sem o poder de impedir a realizações de negócios. Ou, como acontece ainda hoje na Índia, onde a corrupção é tão entranhada no sistema de leis e regulamentos e tão aceita que passa a constituir apenas um conjunto, a mais, de normas de funcionamento da burocracia estatal. E o seu efeito deletério sobre a economia não é diferente dos demais conjuntos de normas e regulamentos que, com existência legal, sufocam a economia indiana.
Esse particular tipo de capitalismo de compadres, corrupto na sua essência, floresceu na Coreia e em Taiwan e constituiu a base do crescimento e modernização dessas duas nações. Ainda que tenham se desenvolvidos dentro de um capitalismo de compadrio, esses países escaparam da armadilha que capturou tantos outros que seguiram caminhos semelhantes, a exemplo da larga maioria dos países da America Latina. A diferença de resultados, num caso e noutro, se deveu,fundamentalmente, à forma de tratar a economia. Os governos desses países asiáticos, tanto o da Coreia do Sul como o de Taiwan, desde cedo obrigaram - talvez por terem mercados internos diminutos - os conglomerados [chaebols na Coreia] a competirem no mercado internacional. E, no que pese gozarem de posições monopolistas ou oligopolistas dentro do país, foram eles obrigados a competirem no disputado mercado internacional o que gerou grandes ganhos de eficiências. Segundo Beattie, os fracassados eram abandonados à própria sorte [levados à falência e dissolvidos] e “entre os dez maiores chaebols em 1966, somente dois se encontravam entre os dez maiores em 1974” num processo de seleção natural onde sobreviviam os mais [aptos] fortes.
A despeito de ser um fenômeno mais frequentemente observado em economias subdesenvolvidas, a corrupção dificilmente pode ser responsabilizada de forma exclusiva, pelo atraso econômico de uma nação. Os contraexemplos apontados nos parágrafo anterior permite suspeitar que algo mais,que não apenas a corrupção,seria responsável pelo atraso nesses países. Há, e isso é inegável, uma correlação entre corrupção e atraso econômico, embora fique difícil de estabelecer um nexo causal entre eles. E, ainda que não haja uma clara relação de antecedência e consequência entre esses dois fenômenos, o combate à corrupção é, frequentemente, assumido como bandeira política, particularmente por grupos ou partidos de tradição populista.
E a razão disso é simples. Trata-se de uma explicação direta e inteligível pelo povo. Se eles [o povo] não têm educação, nem estadas nem tampouco hospitais é por que a corrupção se apodera dos recursos [o que é fato] destinados para isso. Trata-se, portanto, de uma mensagem clara, direta quase um Deus ex maquina que consegue circunscrever todo o problema do país numa única explicação. Dois presidentes do Brasil, Janio Quadros [cujo símbolo era uma vassoura que varreria a corrupção] e Fernando Collor de Mello [o caçador de “Marajás”], se elegeram em campanhas fundadas no combate à corrupção. A vitoriosa campanha eleitoral de 2002 que conduziu o PT ao poder foi fortemente embasada no combate à corrupção. É digno de nota que mais de vinte anos separam esses dois eventos, o que atesta a resiliencia do tema como bandeira eleitoral.
Explicar as reais mazelas que afligem um país, e que assim não o deixa crescer, é difícil e quase que incompreensível para larga maioria da população. A mensagem da corrupção vai direta ao entendimento do povo. Como explicar como, por exemplo, faz o economista Fabio Giambiagi, que a política de reajuste do salário mínimo está impedindo o país de crescer? É muito mais fácil e direto culpar - como fazia uma propagando do PT que exibia uma ratazana devorando a bandeira nacional – a corrupção A mensagem é clara: enxotem os corruptos [ratos] que a vida pode se tornar um paraíso. Coincidência, ou não, os presidentes brasileiros que fizeram a sua plataforma eleitoral baseada no combate à corrupção não terminaram bem. Jânio renunciou. Collor foi cassado, justamente por corrupção. E o PT tem seu final de governo maculado por denuncias de corrupção.
